sábado, 30 de abril de 2011

A coligação da Porca com a Galinha


Certo dia Dona Galinha procurou Dona Porca e propôs de forma enfática:
- “Vamos fazer uma aliança, uma coligação. Unindo esforços,  ganharemos muito mais!” - Dona Porca concordou. Estava cansada da vida enlameada (mas só com lama do chão, não a que suja outras partes).
- “Eu topo. Qual é o acordo?” - O semblante da Galinha foi tomado por um ar professoral, comum na corte do Rei Fernando II. Ela explicou:
- “Vamos vender omelete na feira. Para fazer, entro com o ovo e você entra com o bacon” (toucinho defumado de porco; no caso, de porca).
Satisfeita Dona Galinha comemorou por antecipação:
- “Vai ser um sucesso. Os concorrentes não terão chances”.
A Porca não conseguia se conter de tanta alegria, enquanto corria ao chiqueiro para contar aos companheiros. De repente, sem qualquer motivo aparente, algo começou a incomodá-la. Já não tão feliz, começou a pensar (coisa em falta na política atual):
- “A galinha entra com o ovo e,  com exceção de um pequeno esforço, nada acontece com ela. Mas eu terei que entrar na faca para participar com o bacon”.
  

Fonte: Andrade, Durval Ângelo. Estória que Ouço, Estórias que Conto – Belo Horizonte: O Lutador, 2000. 104 p.




Esta fábula pode dar margem à interpretação de que reforçamos aspectos negativos da coligação que o povo se propôs ao confiar seu voto à atual administração.

É o povo, quem se submete a dar a própria carne no preparo da omelete do poder.

Quem não gostaria que a história fosse diferente?

Que não fosse o povo a porca da história?

É preciso ter a consciência de se criar uma carta mínima de princípios a serem adotados, no momento do pacto entre o povo e seus candidatos, pois o que vemos é sempre o povo, como porca da história, ceder seu pedaço de carne em benefício da galinha e cada ano que se passa a história não muda e o povo somente sofre com a ineficiência do poder executivo que não consegue atrair para a cidade empresas que supram a falta de emprego. Também não contamos com o básico em infra-estrutura.

Claro que essas alianças não poderão jamais comprometer posicionamentos que têm sido prioridades do partido.

Visivelmente o orgulho e o rancor toma conta de nossos administradores, pois um nunca completa algo que o anterior deixou. E quando o fazem é para desmerecer o que o outro não havia feito. Temos obras intermináveis e outras por se perder à própria sorte.

Amanhã é o Dia do Trabalhador, e eu por onze anos acompanho a trajetória de vida dos moradores do Juquinha Dias, bairro em que esses moradores recebem como pagamento pela carne que cedem a omelete, apenas nesse dia 1º de Maio. É nesse dia que a coleta de lixo é feita; o matagal à beira da BR é roçado, mesmo que mal roçado; Dia também em que o executivo sobe no palanque e estufa o peito para dizer: “Eu tenho feito pelo bairro!”. Até quando vamos ficar trafegando pela poeira em plena zona urbana?

Não sabemos ao certo se estamos numa oligarquia ou monarquia municipal, mas precisamos desapegar dessa mesmice e buscar algo novo – novas idéias – fugir desse atraso. É preciso ter coragem e iniciativa!

Ainda sim, é preciso comemorar esse Dia dos Trabalhadores, mesmo com o suor do corpo e com os calos das mãos, que tanto faz sentido em nossas vidas.

segunda-feira, 18 de abril de 2011

O Galo, o Sol e o Poder

Era uma vez uma história de um galo que acreditava que fazia o sol nascer. Ele acordava bem cedo, subia no telhado e cantava estufando o peito, olhando fixo para o nascente. Daí a pouco, a bola avermelhada começava a aparecer no horizonte. Fazia também todos os animais do terreiro acreditar que isso eraverdade. A bicharada ficava atenta a cada manhã e, só se tranquilizava após o canto do galo. O galo tinha um tratamento especial no quintal, pois era  considerado como um Deus poderoso. Até ameaçava os outros bichos com o fim do mundo, caso ele deixasse de cantar. Certo dia, o galo perdeu a hora e dormiu mais do que a cama, ou melhor, que o poleiro e não cantou para o sol nascer. A grande Surpresa – o Sol nasceu assim mesmo, foi um enorme reboliço, pois os bichos acordaram e gritavam ao mesmo tempo: “O Sol nasceu sem o Galo cantar! o Sol nasceu sem o Galo cantar!” A história daquele terreiro nunca mais foi a mesma.


Fonte: (Estórias que ouço, estórias que conto, Durval Ângelo).
 
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Retrato da política atual em muitas de nossas cidades. Tem gente que ao invés de galo, gostaria de fala r de outros bichos. Pois é. Existem pessoas em nossas comunidades, mesmo sem mandato eletivo, que se acham o galo, que são eles quem fazem o sol nascer todos os dias e que elas mesmas é que cantam essas melodias todos os dias náqueles terreiros.

O autoritarismo enraizado na cultura brasileira, semente plantada na alma de uma sociedade baseada no patriarcalismo, na divisão de classes e na dominação das relações sociais. Tem raízes profundas no processo de exclusão que produziu e continua produzindo misérias e pobrezas, descuido e mortes para a maioria da população.

Tem gente cantando de galo, acorrentando os portões e bloqueando a energia elétrica da iluminação do campo de futebol do Alfredão. Isso, só porque alguns líderes comunitários se reuniram e organizaram um torneio envolvendo os moradores dos bairros da cidade. Atividades que contribui para a diversão de crianças, jovens e adultos, desviando-os do vício das drogas, bebidas e outros males.

Também há galos que não querem cantar pra ninguém, em se tratando de solucionar os buracos das ruas, avenidas e estradas. Querem deixar o terreiro sujo e esburacado. Tão deixando o matagal tomar conta do Parque dos Namorados e a ponte que dá acesso à ilha do parque já foi sucateada.

Só que o terreiro vem agindo e se conscientizando de que o sol nasce para todos, independente do canto dos galos. Essa geração vem mudando os rumos da história e a Era da Informação tem contribuído demais. Nas comunidades vem surgindo protagonistas que vão mudar de vez o cenário dessa fazenda chamada Brasil.

Muitos movimentos têm surgido e vários cursos de formação têm acontecido. Hoje o povo já sabe qual é o seu espaço.

Em outros terreiros, estamos vendo surgir líderes, coordenadores e entusiastas que não querem cantar de galo. São trabalhadores urbanos e rurais, do cabo da enxada e da foice cortante, professores, donas de casas, pequenos proprietários. Será uma nova fazenda - Um novo terreiro - Novas relações de companheirismo e fraternidade entre a bicharada.

Ainda há muito que caminharmos na busca de um poder-fraterno, de um poder-serviço, mas essas pessoas firmes são sinais de que estamos no caminho certo, desenterrando a tal cabeça de jegue que tanto dizem existir nesse Brejo.

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Fábula da Convivência


Há milhões de anos, durante uma era glacial, quando parte de nosso planeta esteve coberto por grandes camadas de gelo, muitos animais, não resistiram ao frio intenso e morreram, indefesos, por não se adaptarem às condições.

Foi, então, que uma grande quantidade de porcos-espinho, numa tentativa de se proteger e sobreviver, começaram a se unir, juntar-se mais e mais.

Assim, cada um podia sentir o calor do corpo do outro. E todos juntos, bem unidos, agasalhavam uns aos outros, aqueciam-se mutuamente, enfrentando por mais tempo aquele frio rigoroso.

Porém, vida ingrata, os espinhos de cada um começaram a ferir os companheiros mais próximos, justamente aqueles que lhes forneciam mais calor, aquele calor vital, questão de vida ou morte. E afastaram-se, feridos, magoados, sofridos. Dispersaram-se, por não suportarem mais tempo os espinhos dos seus semelhantes. 
Doíam muito...

Mas essa não foi a melhor solução! Afastados, separados, logo começaram a morrer de frio, congelados. Os que não morreram voltaram a se aproximar pouco a pouco, com jeito, com cuidado, de tal forma que, unidos, cada qual conservava uma certa distância do outro, mínima, mas o suficiente para conviver sem magoar, sem causar danos e dores uns nos outros.

Assim, suportaram-se, resistindo à longa era glacial. Sobreviveram.

É fácil trocar palavras, difícil é interpretar o silêncio!
É fácil caminhar lado a lado, difícil é saber como se encontrar!
É fácil beijar o rosto, difícil é chegar ao coração!
É fácil apertar as mãos, difícil é reter o calor!
É fácil conviver com pessoas, difícil é formar uma equipe!

(Autor desconhecido)

Essa fábula nos faz lembrar de um povo e sua vivência em um tempo e espaço não muito distante de nós. Aqui jazz suíngue por toda parte.

quarta-feira, 6 de abril de 2011

A POLÍTICA E A CAÇADA DE PACA


Era uma vez uma caçada de pacas. Às vésperas da caçada, os cachorros eram muito bem tratados, porque os caçadores sabiam que aqueles animais, bem treinados e bem cuidados, eram a garantia de um bom resultado.


Pelo caminho, iam fazendo carinho nos cachorros, chamando-os pelo nome; enfim,  os animais eram a grande autoridade no momento em que iam para a caçada.  Eram eles, realmente, quem faziam tudo: farejavam a paca, corriam atrás do seu rastro sem se importar com os machucados e cortes em seu corpo provocados pelo capim navalha. Encantoavam a paca. Às vezes a matavam; outras vezes, era o próprio caçador. Era uma alegria só.


Volta da caçada, com duas, três ou quatro pacas nas costas – à época não tinha o IBAMA, e nem consciência ecológica. Os cachorros brincavam como crianças, pulando um do lado do outro ou sobre os capinzais. Ficavam contentes com o resultado. Só que, quando se enroscavam nas pernas dos caçadores, nada mais era como antes. Tomavam empurrões e chutes. Mas, mesmo assim,  iam embora satisfeitos.


Os caçadores, já em casa,  limpavam as pacas no tanque e jogavam os pés e as cabeças para os cachorros. Começava, então, a  briga da cachorrada. Era uma luta terrível.


Enquanto os cachorros se mordiam no terreiro, os caçadores temperavam a carne e a punham no fogo. Bebendo uma cachacinha, comendo um tira-gosto e esperando a carne assar, pouco se importavam com o que estava se passando com os animais.

Quando o cheiro de assado começava a sair pela casa toda, aguçava o faro especial dos bichos e os cachorros deixavam de lado os pés e a cabeça da paca, na esperança de que iriam ganhar alguma coisa. Eles ficavam a espera de um agrado.

Pronta a carne, cada caçador comia sua parte e jogava os ossos pela janela. E, de novo, a loucura: cachorros brigando e se machucando pelos restos da paca. E isso ia até o amanhecer, ou, quem sabe, até a próxima caçada.


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O que acontece no período que antecede as eleições, é justamente a repetição dessa história: o eleitor e tratado como cão farejador, bom para a caçada de paca. Tem tudo o que quer dos candidatos. Só falta ganhar lote no paraíso, de tanto agrado e bajulação. Depois das eleições, as coisas mudam: apenas um grupo de caçadores vai usufruir dos benefícios do poder. Os eleitores que foram tão bem tratados e cuidados com zelo durante o período eleitoral, acabam fiando com as sobras que ninguém quer. Na, verdade, não recebem apenas migalhas, tais como: cesta básica, telhas, tijolos, sacos de cimento, ¹ “dentadura, sapato usado” e até um copo de cachaça no bar da esquina?

O gozo do poder acaba sempre ficando com uma minoria das elites políticas. Sempre o tratam como um espaço privado. Não raro, usam até da violência para se perpetuarem no poder. O eleitor só tem valor no curto período que antecede as eleições.

Quem sabe essa história possa ser diferente no dia em que os cachorros decidirem se organizar. Formarão, talvez, o SINCAPA: Sindicato dos Cães Caçadores de Paca. Quando eles se organizarem, quando não mais permitirem ser manipulados, quando o SINCAPA funcionar efetivamente, essa história poderá mudar. O sindicato tem que ser fruto de um processo de consciência de que o mundo só será melhor “quando o menor que padece acreditar no menor”.

Essa estória, ouvida de um trabalhador rural que queria retratar a política em sua cidade, o processo eleitoral e as formas ideológicas de dominação, pode ser contada de forma diferente em vários locais onde os “Sincapas” do povo demonstram sua força.

O momento atual, com o dispositivo da reeleição, é o período em que  mais acontecem obras nas comunidades. Os médicos passam a atender nos postos da zona rural. Melhoram os investimentos em transportes, educação e área social. Daí, os riscos de se perpetuarem as “caçadas de paca”.

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1- Por Alex Sander (Sou Lelé, mas não sou Louco)

 

FONTE:
  • Andrade, Durval Ângelo. Estórias que Ouço, estórias que conto. – Belo Horizonte: Editora O Lutador, 2000. 104 p.