quarta-feira, 6 de abril de 2011

A POLÍTICA E A CAÇADA DE PACA


Era uma vez uma caçada de pacas. Às vésperas da caçada, os cachorros eram muito bem tratados, porque os caçadores sabiam que aqueles animais, bem treinados e bem cuidados, eram a garantia de um bom resultado.


Pelo caminho, iam fazendo carinho nos cachorros, chamando-os pelo nome; enfim,  os animais eram a grande autoridade no momento em que iam para a caçada.  Eram eles, realmente, quem faziam tudo: farejavam a paca, corriam atrás do seu rastro sem se importar com os machucados e cortes em seu corpo provocados pelo capim navalha. Encantoavam a paca. Às vezes a matavam; outras vezes, era o próprio caçador. Era uma alegria só.


Volta da caçada, com duas, três ou quatro pacas nas costas – à época não tinha o IBAMA, e nem consciência ecológica. Os cachorros brincavam como crianças, pulando um do lado do outro ou sobre os capinzais. Ficavam contentes com o resultado. Só que, quando se enroscavam nas pernas dos caçadores, nada mais era como antes. Tomavam empurrões e chutes. Mas, mesmo assim,  iam embora satisfeitos.


Os caçadores, já em casa,  limpavam as pacas no tanque e jogavam os pés e as cabeças para os cachorros. Começava, então, a  briga da cachorrada. Era uma luta terrível.


Enquanto os cachorros se mordiam no terreiro, os caçadores temperavam a carne e a punham no fogo. Bebendo uma cachacinha, comendo um tira-gosto e esperando a carne assar, pouco se importavam com o que estava se passando com os animais.

Quando o cheiro de assado começava a sair pela casa toda, aguçava o faro especial dos bichos e os cachorros deixavam de lado os pés e a cabeça da paca, na esperança de que iriam ganhar alguma coisa. Eles ficavam a espera de um agrado.

Pronta a carne, cada caçador comia sua parte e jogava os ossos pela janela. E, de novo, a loucura: cachorros brigando e se machucando pelos restos da paca. E isso ia até o amanhecer, ou, quem sabe, até a próxima caçada.


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O que acontece no período que antecede as eleições, é justamente a repetição dessa história: o eleitor e tratado como cão farejador, bom para a caçada de paca. Tem tudo o que quer dos candidatos. Só falta ganhar lote no paraíso, de tanto agrado e bajulação. Depois das eleições, as coisas mudam: apenas um grupo de caçadores vai usufruir dos benefícios do poder. Os eleitores que foram tão bem tratados e cuidados com zelo durante o período eleitoral, acabam fiando com as sobras que ninguém quer. Na, verdade, não recebem apenas migalhas, tais como: cesta básica, telhas, tijolos, sacos de cimento, ¹ “dentadura, sapato usado” e até um copo de cachaça no bar da esquina?

O gozo do poder acaba sempre ficando com uma minoria das elites políticas. Sempre o tratam como um espaço privado. Não raro, usam até da violência para se perpetuarem no poder. O eleitor só tem valor no curto período que antecede as eleições.

Quem sabe essa história possa ser diferente no dia em que os cachorros decidirem se organizar. Formarão, talvez, o SINCAPA: Sindicato dos Cães Caçadores de Paca. Quando eles se organizarem, quando não mais permitirem ser manipulados, quando o SINCAPA funcionar efetivamente, essa história poderá mudar. O sindicato tem que ser fruto de um processo de consciência de que o mundo só será melhor “quando o menor que padece acreditar no menor”.

Essa estória, ouvida de um trabalhador rural que queria retratar a política em sua cidade, o processo eleitoral e as formas ideológicas de dominação, pode ser contada de forma diferente em vários locais onde os “Sincapas” do povo demonstram sua força.

O momento atual, com o dispositivo da reeleição, é o período em que  mais acontecem obras nas comunidades. Os médicos passam a atender nos postos da zona rural. Melhoram os investimentos em transportes, educação e área social. Daí, os riscos de se perpetuarem as “caçadas de paca”.

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1- Por Alex Sander (Sou Lelé, mas não sou Louco)

 

FONTE:
  • Andrade, Durval Ângelo. Estórias que Ouço, estórias que conto. – Belo Horizonte: Editora O Lutador, 2000. 104 p.