quarta-feira, 10 de agosto de 2011

O PADRÃO VEM CAINDO VERTIGINOSAMENTE!


Colaboração: Geraldo Soares Pereira Júnior

A Triste realidade

 Uma análise da evolução da relação de conquista e do amor do homem para a mulher,
 através das músicas que marcaram época.


Não é saudosismo, mas vejam como os quarentões, cinqüentões tratavam seus amores. 

Década de 30:
 Ele, de terno cinza e chapéu panamá, em frente à vila onde ela mora, canta:
 "Tu és, divina e graciosa, estátua majestosa! Do amor por Deus esculturada.
 És formada com o ardor da alma da mais linda flor,
 de mais ativo olor, na vida é a preferida pelo beija-flor...."
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 Década de 40:
 Ele ajeita seu relógio Pateck Philip na algibeira,escreve para Rádio Nacional e, manda oferecer a ela uma linda música:
 "A deusa da minha rua, tem os olhos onde a lua,costuma se embriagar. Nos
 seus olhos eu suponho, que o sol num dourado sonho, vai claridade buscar"
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 Década de 50:
 Ele pede ao cantor da boate que ofereça a ela a interpretação de uma bela bossa:
 " Olha que coisa mais linda, mais cheia de graça.
 É ela a menina que vem e que passa, no doce balanço a caminho do mar.
 Moça do corpo dourado, do sol de Ipanema. O teu balançado é mais que um poema.
 É a coisa mais linda que eu já vi passar."
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 Década de 60:
 Ele aparece na casa dela com um compacto simples embaixo do braço,  ajeita a calça Lee e coloca na vitrola uma música papo firme:
 "Nem mesmo o céu, nem as estrelas, nem mesmo o mar e o infinito não é maior que o meu amor, nem  mais bonito. Me desespero a procurar alguma forma de lhe falar, como é grande o meu amor por você...."
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 Década de 70:
 Ele chega em seu fusca, com roda tala larga, sacode o cabelão, abre porta
 pra mina entrar e bota uma melô jóia no toca-fitas:
 "Foi assim, como ver o mar, a primeira vez que os meus olhos se viram no teu
 olhar....
 Quando eu mergulhei no azul do mar, sabia que era amor e vinha pra
 ficar...."
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 Década de 80:
 Ele telefona pra ela e deixa rolar um:
 "Fonte de mel, nos olhos de gueixa, Kabuki, máscara. Choque entre o azul e o
 cacho de acácias,
 luz das acácias, você é mãe do sol. Linda...."
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 Década de 90:
 Ele liga pra ela e deixa gravada uma música na secretária eletrônica:
 "Bem que se quis, depois de tudo ainda ser feliz. Mas já não há caminhos pra
 voltar.
 E o que é que a vida fez da nossa vida? O que é que a gente não faz por
 amor?"
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 Em 2001:
 Ele captura na internet um batidão legal e manda pra ela, por e-mail:
 "Tchutchuca! Vem aqui com o teu Tigrão. Vou te jogar na cama e te dar muita
 pressão!
 Eu vou passar cerol na mão, vou sim, vou sim! Eu vou te cortar na mão!
 Vou sim, vou sim! Vou aparar pela rabiola! Vou sim, vou sim"!
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 Em 2002:
 Ele manda um e-mail oferecendo uma música:
 "Só as cachorras! Hu Hu Hu Hu Hu!
 As preparadas! Hu Hu Hu Hu!
 As poposudas! Hu Hu Hu Hu Hu!"
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 Em 2003:
 Ele oferece uma música no baile:
 "Pocotó pocotó pocotó...minha éguinha pocotó!
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 Em 2004:
 Ele a chama p/ dançar no meio da pista:
 "Ah! Que isso? Elas estão descontroladas! Ah! Que isso? Elas Estão
 descontroladas!
 Ela sobe, ela desce, ela da uma rodada, elas estão descontroladas!"
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 Em 2005:
 Ele resolve mandar um convite para ela, através da rádio:
 "Hoje é festa lá no meu apê, pode aparecer, vai rolar bunda lele!"
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 Em 2006:
 Ele a convida para curtir um baile ao som da música mais pedida e tocada no
 país:
 "Tô ficando atoladinha, tô ficando atoladinha, tô ficando atoladinha!!!
 Calma, calma foguetinha!!! Piriri Piriri Piriri, alguém ligou p/ mim!"
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 Em 2010:
 Ele encosta com seu carro com o porta-malas cheio de som e no máximo volume:
 " Chapeuzinho pra onde você vai, diz aí menina que eu vou atrás.
 Pra que você quer saber?
 Eu sou o lobo mau, au, au
 Eu sou o lobo mau, au, au
 E o que você vai fazer?
 Vou te comer, vou te comer, vou te comer,
 Vou te comer, vou te comer, vou te comer,
 Vou te comer, vou te comer, vou te comer"

Em 2011 :
Ele envia diretamente do seu Iphone para ela:
"Foge, foge mulher maravilha... foge com seu superman"

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

As Aventuras de Raul Seixas na Cidade de Thor

Raul Seixas era um poeta, místico e filósofo. O fundamento da verdadeira sociedade alternativa, conciste em jamais viver de acordo com a ideologia daqueles que venderam suas vidas para si mesmo ao pequeno preço de serem apenas eles pelo resto de suas vidas. Segundo o seu próprio espírito caído, cego, surdo e perdido.
Mas, nunca é tarde para começar tudo de novo!
Raul Seixas deixou um vácuo gigantesco na música e na cultura moderna, especialmente no que diz respeito a sua mensagem que não foi completada.

Ele tinha uma missão impar, sem igual, fantástica, com seu geito rebelde aos velhos tabus, as regras e paradigmas impostos pelo caótico e anacrônico capitalismo selvagem, desumano e cruel da ditadura e das falsas religiões.

Em: "As Aventuras De Raul Seixas na Cidade de Thor",  Raul critica o status-quo e fala sobre a necessidade de fazer uma "aliança estratégica" com o sistema (o Monstro Sist) para poder enfrentá-lo. "Quando se quer entrar num buraco de rato de rato você tem que transar".


As Aventuras De Raul Seixas na Cidade de ThorComposição: Raul Seixas

Tá rebocado meu compadre
Como os donos do mundo piraram
Eles já são carrascos e vítimas
Do próprio mecanismo que criaram


O monstro SIST é retado
E tá doido pra transar comigo
E sempre que você dorme de touca
Ele fatura em cima do inimigo


A arapuca está armada
E não adianta de fora protestar
Quando se quer entrar
Num buraco de rato
De rato você tem que transar


Buliram muito com o planeta
E o planeta como um cachorro eu vejo
Se ele já não aguenta mais as pulgas
Se livra delas num sacolejo

Hoje a gente já nem sabe
De que lado estão certos cabeludos
Tipo estereotipado
Se é da direita ou dá traseira
Não se sabe mais lá de que lado


Eu que sou vivo pra cachorro
No que eu estou longe eu tô perto
Se eu não estiver com Deus, meu filho
Eu estou sempre aqui com o olho aberto


A civilização se tornou complicada
Que ficou tão frágil como um computador
Que se uma criança descobrir
O calcanhar de Aquiles
Com um só palito pára o motor


Tem gente que passa a vida inteira
Travando a inútil luta com os galhos
Sem saber que é lá no tronco
Que está o coringa do baralho


Quando eu compus fiz Ouro de Tolo
Uns imbecis me chamaram de profeta do apocalipse
Mas eles só vão entender o que eu falei
No esperado dia do eclipse


Acredite que eu não tenho nada a ver
Com a linha evolutiva da Música Popular Brasileira
A única linha que eu conheça
É a linha de empinar uma bandeira


Eu já passei por todas as religiões
Filosofias, políticas e lutas
Aos 11 anos de idade eu já desconfiava
Da verdade absoluta


Raul Seixas e Raulzito
Sempre foram o mesmo homem
Mas pra aprender o jogo dos ratos
Transou com Deus e com o lobisomem


quinta-feira, 14 de julho de 2011

Hiroshima e Brasil


O que aconteceu com a radiação que devia durar 1.000 anos em Hiroshima ?
 

 
 
HIROSHIMA 65 anos depois  




 


BRASIL - 65 anos depois da bomba de HIROSHIMA





A longo prazo, o que causa maior destruição?

 A BOMBA ATÔMICA ou os POLÍTICOS CORRUPTOS?



Colaboração: Cláudio S. Pereira

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Igreja e internet: uma relação de amor e ódio - Entrevista com Moisés Sbardelotto

Segunda-feira, 4 de julho de 2011 - 9h12min
por Instituto Humanitas Unisinos (IHU)


Entrevista especial com Moisés Sbardelotto

Embora a Igreja tenha mantido uma relação de amor e ódio com os meios de comunicação e, em especial, com as mídias digitais, é inegável a vivência da fé em ambientes digitais nas últimas décadas. Em uma sociedade em midiatização, explica o jornalista, "o religioso já não pode ser explicado nem entendido sem se levar em conta o papel das mídias" porque elas "não são meros meios de transmissão de informação, nem apenas extensões dos seres humanos, mas sim o ambiente no qual a vida social se move".
Na entrevista a seguir, concedida à IHU On-Line por e-mail, Moisés Sbardelotto enfatiza que a fé praticada nos ambientes digitais "aponta para uma mudança na experiência religiosa do fiel e da manifestação do religioso" e, portanto, que a religião tradicional está mudando. "Junto com o desenvolvimento de um novo meio, como a Internet, vai nascendo também um novo ser humano e, por conseguinte, um novo sagrado e uma nova religião", constata.
Moisés Sbardelotto abordará o tema desta entrevista no IHU ideias da próxima quinta-feira, 30-06-2011, quando apresentará a dissertação de mestrado intitulada E o Verbo se fez bit: Uma análise de sites católicos brasileiros como ambiente para a experiência religiosa. O evento iniciará às 17h30min, na Sala Ignacio Ellacuría e Companheiros - IHU.
Sbardelotto é mestre em Ciências da Comunicação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos - Unisinos, na linha de pesquisa Midiatização e Processos Sociais. Atualmente, é coordenador do Escritório da Fundação Ética Mundial no Brasil (Stiftung Weltethos), um programa do Instituto Humanitas Unisinos - IHU, em São Leopoldo-RS. É bacharel em Comunicação Social - Jornalismo pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS.


Confira a entrevista.

IHU On-Line - Como a Igreja se posicionou diante das novas tecnologias e do uso da internet?

Moisés Sbardelotto - Pelo que temos visto especialmente nos últimos anos, a Igreja Católica tem mantido uma relação de "amor e ódio" com os meios de comunicação e particularmente com as mídias digitais, tendo estado no centro de inúmeras crises. Nesse processo de reviravolta sociocomunicacional, a Igreja ainda está tateando em busca de um reposicionamento institucional. Em 2009, em um gesto histórico, o papa enviou uma carta a todos os bispos do mundo, na qual reconheceu que cometera um erro "comunicacional". Referindo-se ao fato de não ter se informado anteriormente sobre um bispo ultratradicionalista recém reintegrado à Igreja que havia negado a existência das câmaras de gás durante o Holocausto, Bento XVI afirmou: "Disseram-me que o acompanhar com atenção as notícias ao nosso alcance na internet teria permitido chegar tempestivamente ao conhecimento do problema. Fica-me a lição de que, para o futuro, na Santa Sé, deveremos prestar mais atenção a esta fonte de notícias". Ou seja, o papa assumiu que bastaria ter dado uma simples "googlada" para saber quem era esse bispo. Em termos oficiais, no nível da alta esfera, o Vaticano tem publicado documentos que abordam a relação entre a Igreja e as mídias digitais, como, por exemplo, as mensagens por ocasião do Dia Mundial das Comunicações Sociais. A última, do dia 5 de junho de 2011, trata do tema "Verdade, anúncio e autenticidade de vida, na era digital". Ou seja, essa nova ambiência é uma temática que interroga a Igreja, que se encontra tão enraizada na cultura escrita impressa e nos meios de comunicação de massa, recolhendo ainda os despojos do papado multimidiático de João Paulo II. Nessa mensagem, há um avanço quando se reconhece que "as novas tecnologias estão mudando não só o modo de comunicar, mas também a própria comunicação em si mesma, podendo-se afirmar que estamos perante uma ampla transformação cultural". Por outro lado, na mensagem, Bento XVI afirma que "como qualquer outro fruto do engenho humano", as novas tecnologias da comunicação, se "usadas sabiamente, podem contribuir para satisfazer o desejo de sentido, verdade e unidade que permanece a aspiração mais profunda do ser humano". Embora reconhecendo o alcance sociocultural das mídias digitais, a Igreja ainda se centra na questão do seu uso - que poderia ser, nesse entendimento, bom ou ruim (no final, o papa diz: "Convido, sobretudo, os jovens a fazerem bom uso da sua presença no areópago digital"). A preocupação, no entanto, deveria ir muito além disso. A internet, embora sendo "fruto do engenho humano", está ligada também a formas e práticas de vida intrínsecas a ela. Como analisa Gordon Graham, novidades tecnológicas como a internet não são positivas apenas por serem novas, nem negativas apenas por serem tecnológicas. Mas também não são neutras: nas mídias digitais online, por exemplo, põe-se de manifesto um determinado tipo de ser humano. Mesmo um "bom uso" traz consigo lógicas que são intrínsecas à técnica. Para exemplificar, na semana passada, a Basílica de São João de Latrão, em Roma, começou a emprestar iPods a seus peregrinos com um aplicativo projetado especialmente para guiar o visitante junto às obras de arte, à arquitetura e à história do local. A proposta, segundo o padre responsável, seria reduzir o ruído provocado pela visitação de grandes grupos e seus guias, assim como atrair mais os jovens. Cada visitante pode até ouvir as narrações na "voz" de personagens históricos como o próprio imperador Constantino. Mas, no fundo, o que significa atribuir a função de "guia" a um aparelho digital personalizado? São essas lógicas, anteriores ainda a um bom ou mau uso, que merecem reflexão.


IHU On-Line - De que maneira a manifestação religiosa da Igreja e dos fiéis se transformou a partir da utilização da internet?
Moisés Sbardelotto - Em uma sociedade em midiatização, o religioso já não pode ser explicado nem entendido sem se levar em conta o papel das mídias. Na transformação cultural de hoje, as mídias organizam e impregnam o social, e passamos a viver em uma realidade sociocultural de permanente comunicação midiatizada. Por isso, as mídias não são meros meios de transmissão de informação, nem apenas extensões dos seres humanos, mas sim o ambiente no qual a vida social se move. Marshall McLuhan já afirmava que "toda tecnologia gradualmente cria um ambiente humano totalmente novo", ambientes que "não são envoltórios passivos, mas processos ativos". Hoje, o transcendente se digitalizou. E, como o Moisés bíblico, as pessoas sobem a montanha digital porque veem uma sarça ardente em seu topo e buscam a presença de Deus na Internet. Portanto, se as mídias digitais como a internet hoje "viraram um templo", com tantas ofertas de sagrado disponíveis, cabe analisar como isso aconteceu, que templo-Igreja é esse e que relação fiel/Deus se manifesta em meio a seus bits e pixels. Exemplo disso é que a experiência da fé - dentre outras diversas manifestações religiosas - pode ser vivenciada na internet por meio de diversos serviços: versões online da Bíblia e de textos sagrados; orientações online com líderes religiosos; pedidos de oração; as chamadas "velas virtuais"; programas religiosos em áudio e vídeo; dentre muitas outras opções. O fiel, onde quer que esteja, quando quer que seja, por meio da internet, desenvolve um novo vínculo com a Igreja e com o transcendental, em um novo ambiente de culto. Isso possibilita uma nova modalidade de revelação e de manifestação de Deus e do sagrado: agora, porém, midiatizada - uma espécie de midioteofania. A partir desse desvio do olhar do fiel dos templos tradicionais para os novos templos digitais, ocorrem alterações também na formação da identidade individual e religiosa. Cada tecnologia traz consigo uma nova maneira de ser e de fazer. Com o desenvolvimento das tecnologias digitais, características como a digitalidade (o sagrado moldado em bits e pixels), a ubiquidade (o sagrado acessível em qualquer ponto da rede a qualquer momento), a conectividade (conexões/interações em rede entre o sagrado e o fiel e entre fiéis) e a hiperdiscursividade (novas formas de discurso e narrativas sobre o sagrado), dentre outras, manifestam lógicas e processualidades comunicacionais que modificam o ser, o fazer e o experienciar da religião.


IHU On-Line - Como se dá a interação entre fiel, Igreja e Deus no ambiente digital brasileiro?
Moisés Sbardelotto - São as "ações entre" sistema e fiel que possibilitam a comunicação e a construção de sentido religioso na internet. De outra forma, isso não ocorreria. Na pesquisa, analiso essas interações por meio de três eixos conceituais - interface (as materialidades gráficas dos sítios católicos), discurso (coisa falada e escrita nos sítios católicos) e ritual (operações, atos e práticas do fiel). Com relação à interface, o sagrado que é acessado pelo fiel passa por diversos níveis de codificação por parte do sistema. Analisamos quatro deles: 1) a tela; 2) periféricos como teclado e mouse; 3) a estrutura organizacional das informações (menus); e 4) a composição gráfica das páginas em que se encontram disponíveis os serviços e rituais católicos. Ou seja, a interação é possibilitada porque o fiel decodifica o sagrado a partir da configuração computacional ofertada pelo sistema. Por meio de instrumentos e aparatos físicos e simbólicos, o fiel "manipula" o sagrado ofertado e organizado pelo sistema e navega pelos seus meandros da forma como preferir. Por meio da interface, o sistema informa ao usuário seus limites e possibilidades, e este comunica ao sistema suas intenções. O sistema indica ao fiel não apenas uma forma de ler o sagrado, mas também uma forma de lidar com o sagrado, que raramente é neutra ou automática: ela carrega consigo sentidos e afeta a mensagem transmitida. Por outro lado, o contato entre fiel e sagrado passa pelo discurso, pela narração da fé, pela "realidade material de coisa pronunciada ou escrita", nas palavras de Michel Foucault. Nos sítios brasileiros, esse discurso é construído a partir de três atores: o fiel (o internauta); um "outro" (com quem o fiel dialoga e intercede junto ao sagrado); e um "Outro", o destinatário último (Deus, Nossa Senhora ou os santos, por exemplo). É por meio do discurso, portanto, que se gera o sentido religioso nos sítios católicos. Nele, é possível perceber virtualmente entidades como o "enunciador" e o "enunciatário" - que estão inscritas e vivem no interior do texto -, assim como as regras para as interações entre eles, já que o discurso não é simplesmente "aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de dominação, mas aquilo por que, pelo que se luta, o poder do qual nos queremos apoderar", como também aponta Foucault. Por último, o fiel interage com o sagrado por meio de rituais. Até então celebrados no templo físico, eles agora se deslocam para o ambiente online (como, por exemplo, as "velas virtuais", o "terço virtual", a "adoração ao Santíssimo", missas etc.). Por isso, os chamados rituais online são atos e práticas de fé desenvolvidos pelo fiel por meio de ações e operações de construção de sentido em interação com o sistema católico online para a busca de uma experiência religiosa. O ritual online, portanto, esclarece mecanismos e processualidades fundamentais do fenômeno religioso contemporâneo. Tudo isso, analisado mais detalhadamente, estará disponível no Cadernos IHU, n. 35, que sintetiza a pesquisa.

IHU On-Line - Como o religioso pode ser explicado e entendido em uma sociedade em midiatização?
Moisés Sbardelotto - O que se constata hoje é um desvio do olhar do fiel dos templos tradicionais para os novos templos digitais, que estimulam, sob novos formatos e protocolos, a experimentação de uma prática religiosa que encontra suas raízes na realidade offline (como o "acender de velas"), mas que agora é ressignificada para o ambiente digital. Existe algo que faz com que o indivíduo prefira praticar a sua fé na internet, em vez de fazer isso na igreja de seu bairro. Portanto, se a comunicação (suas lógicas, seus dispositivos, suas operações) está em constante evolução, a religião, ao fazer uso dela, também acompanha essa evolução e é por ela impelida a algo diferente do que tradicionalmente era. É essa complexidade da interface entre o fenômeno da comunicação (a partir de suas ocorrências concretas, como o caso da internet) e o fenômeno religioso (a partir da utilização dos dispositivos comunicacionais para a sua ocorrência) que exige maior atenção por parte da Igreja e dos pesquisadores.

IHU On-Line - Que religião nasce da mídia?

Moisés Sbardelotto - Essa é a pergunta-chave. As respostas são múltiplas, por isso posso dar apenas algumas indicações. O que podemos perceber é que a fé vivenciada, praticada e experienciada nos ambientes digitais aponta para uma mudança na experiência religiosa do fiel e da manifestação do religioso, por meio de novas temporalidades, novas espacialidades, novas materialidades, novas discursividades e novas ritualidades. Assim, a religião como tradicionalmente a conhecemos também está mudando, e a "nova religião" que se descortina diante de nós nesse "odre novo" traz também um "vinho novo", que caracteriza a midiatização digital (suas formas características de ser, existir, pensar, saber, agir etc. na era digital). Junto com o desenvolvimento de um novo meio, como a internet, vai nascendo também um novo ser humano e, por conseguinte, um novo sagrado e uma nova religião, por meio de algumas microalterações. Por um lado, temporalmente, os tempos e períodos tradicionais, divididos e organizados pela Igreja liturgicamente e na vida cotidiana, mudam radicalmente na internet. Agora, um ritual religioso (missa, adoração ao Santíssimo, acompanhamento espiritual etc.) pode ser feito a qualquer hora do dia, independentemente dos horários dos demais membros da comunidade religiosa, e em qualquer lugar, em casa, no horário de trabalho, ou mesmo em trânsito, independente da agenda do padre, do religioso ou dos demais fiéis. O sistema se encarrega de mediar essa interação, apesar do tempo offline da vida cotidiana. Os processos lentos, vagarosos e penosos da ascese espiritual (os "séculos dos séculos", "até que a morte os separe") vão sendo agora substituídos pela lógica da velocidade absoluta. Passamos, assim, a viver uma fé na expectativa de imediaticidade (tudo deve estar disponível agora, já). Por outro lado, há um deslocamento espacial da experiência religiosa: a celebração feita do outro lado do país ou do mundo pode ser agora assistida pelo fiel em seu quarto - e é ele quem decide quando a missa vai começar. Um fiel do interior da Amazônia não precisará se deslocar até o Santuário Basílica de Nossa Senhora Aparecida, em São Paulo, para fazer suas orações, prostrar-se diante da imagem e até mesmo acender sua vela, pois, pela Internet, a "capela virtual" acolhe seus pedidos e lhe oferece um vídeo do interior da basílica para venerar a santa pela internet. Assim, instaura-se uma nova forma de presença: uma "telepresença", como indica Lev Manovich, possibilitada pela produção de presença encarnada nas representações e simulações de sagrado disponíveis no sistema católico online. Mas a essência dessa nova modalidade de presença é a não presença, a "antipresença". Não é necessário que o fiel esteja lá fisicamente para estar lá digitalmente: o fiel pode agora ver e agir à distância. Essa "bilocação" não se deve à "santidade" do fiel, mas sim à técnica comunicacional, que permite ao fiel esse seu "poder ultraterreno" nessa ambiência digital.

A fé digital
Além disso, a fé digital traz consigo uma materialidade totalmente própria: numérica, de dígitos que podem ser alterados, deletados, recombinados de acordo com a vontade do sistema e/ou do fiel, embora com resquícios de uma religiosidade pré-midiática (como o uso de velas, por exemplo). Assim, a complexidade da técnica não pressupõe o abandono de tradições discursivas. Porém, elas são ressignificadas: na "capela virtual", o sol sempre brilha, as flores sempre estão abertas, vivas e coloridas, as velas até se acendem sozinhas, e a cerimônia inicia assim que o fiel entra (adeus, preocupação com o atraso!). Claro, algumas velas digitais também se "consomem" e diminuem de tamanho com o passar dos dias, mas não há mais os "incômodos" da cera derretida, dos vapores e fumaças, dos riscos de incêndio. Mas, hoje, acrescentam-se novas camadas intermediatórias entre fiel e Deus, agora tecnocomunicacionais: computador, teclado, mouse, interfaces, fluxos de interação comunicacional etc. Porém, tudo isso, em geral, passa despercebido pelo fiel, reforçando a transparência da técnica: a sensação de sagrado construída pelo sistema promove (ou reforça) a crença de que o fiel está diante de (e apenas de) Deus. Além disso, a fé digital é vivida com uma sensação de carência: exigem-se sempre novas tecnologias, crescendo a necessidade de ser mediado pela tecnologia comunicacional, até na espiritualidade.

Sentido religioso
Discursivamente, o fiel constrói sentido religioso por meio de narrativas fluidas e hipertextuais, marcadas por uma constante transformação, em que novas informações também podem ser adicionadas, deletadas, corrigidas ou relacionadas segundo os protocolos da internet. Isso acaba abrindo o texto original a inúmeras interpretações em uma hermenêutica infindável de novos sentidos. As relações e vínculos nesse ambiente também são fragmentários, já que o fiel seleciona e escolhe a sua alteridade discursiva (terrena ou divina). O fiel-internauta vive uma experiência de fé com uma ausência objetiva (antipresença) do "outro", seja ele outra pessoa ou Deus, o que, nem por isso, caracteriza uma fé vivida isolada e individualisticamente, pois ele continua recorrendo a uma comunidade de fé, embora ressignificada. O deslocamento, em suma, dá-se em direção à lógica do acesso, em que o pertencimento-participação em uma comunidade não se estrutura por uma localização geográfica, mas sim por uma ambiência fluida em que só faz parte dela quem a ela tem acesso. E são comunidades instauradas comunicacionalmente: ou, vice-versa, é a interação comunicacional que cria novas comunidades ao tornar comum entre os fiéis aquilo que social, política, existencial e religiosamente é incomum ou não pode nem deve, a seu ver, ficar isolado. Assim, no fundo, há uma lógica do compartilhamento e da publicização: antes, o pedido do fiel era privado, restrito à sua intimidade com Deus. Hoje, é público, é compartilhado com todos, e seu conteúdo é de livre acesso. Por fim, ritualisticamente, os atos e práticas de fé desenvolvidos pelo fiel por meio de ações e operações de construção de sentido em interação com o sistema constroem-se agora na internet. E novos fluxos começam a surgir, como rituais offline reconstruídos midiaticamente e rituais online que são estendidos midiaticamente para o ambiente offline. Manifesta-se, assim, não apenas uma liturgia assistida pela mídia, mas também uma liturgia centrada, vivida, praticada e experienciada pela mídia, em que esta também oferece modelos para as práticas, o espaço e o imaginário litúrgicos. Instaura-se, em suma, uma nova sacramentalidade. O que fica escondido nos templos territorializados, como o ritual de acender velas, passa a ser exposto e oferecido como o principal ritual religioso das "capelas virtuais". A partir da midiatização digital do fenômeno religioso, portanto, vai acontecendo uma metamorfose da fé, somada aos diversos outros âmbitos sociais e históricos que evidenciam esse processo. Ou seja, embora mantendo alguns de seus aspectos tradicionais, produzem-se novas qualidades do religioso. Mas não podemos perder de vista que a hierofania nunca se restringe a um único âmbito do humano. Por meio da midiatização, revelam-se algumas faces desse sagrado, que não se limita a essas manifestações. O sagrado escapa ao midiático. Paralelamente aos ambientes online, continua-se vivendo, praticando e experienciando a fé nos tradicionais espaços de culto, em crescentes tensões e desdobramentos.

IHU On-Line - E o que a religião em uma sociedade midiatizada revela acerca da mídia?
Moisés Sbardelotto - Estamos em uma nova etapa da comunicação, em que as mídias não são apenas veículos de troca de informações, nem se resumem a instaurar mediações entre âmbitos sociais. Com a convergência tecnológica e midiática, temos um ambiente formado pela comunicação midiática, onde se dão os processos sociais contemporâneos. Existe agora uma cultura atravessada, perpassada, embebida pelas mídias. A partir dessa compreensão, percebe-se que é esse ecossistema midiático que constitui o socius. O conteúdo do fenômeno da midiatização é a convergência das mídias, cada vez mais abrangente, cada vez mais acelerada. Não se trata apenas de um avanço tecnológico, mas sim de uma nova configuração social ampla, que gera novos sentidos em escala complexa e dinâmica, a partir da tecnologia e para além dela. Analisar a midiatização da religião, portanto, é analisar também um processo de secularização: o processo histórico em que as mídias assumiram muitas das funções sociais que costumavam ser desempenhadas, por exemplo, pela própria religião. Por meio das processualidades da midiatização, a lógica midiática vai subsumindo outras lógicas sociais, em termos de regulação institucional, de conteúdo simbólico e de práticas individuais.

IHU On-Line - Qual o significado da religião em uma sociedade midiatizada? Como ela constrói e gera sentido nesse novo contexto?
Moisés Sbardelotto - Hoje, os fiéis estão fazendo de forma online grande parte daquilo que fazem offline, mas, como dizíamos, fazem isso de uma forma e em um ambiente diferentes, que geram diferença para a religião como a conhecemos. Essas microalterações na vivência da fé não são apenas uma isenta mudança de "forma", mas sim, em sentido mcluhaniano, uma mudança de "conteúdo": religião e mídia coevoluem de forma midiatizada, gerando novos predicados. Em um contexto de aprofundamento das interações sociais via mídia, ganha menos destaque o discurso sobre Deus, e mais o contexto, as circunstâncias específicas, em que as pessoas interagem com Deus: não como as pessoas creem ou devem crer (doxa), mas sim como as pessoas expressam a sua fé (praxis). Hoje, esse contexto da fé é vivenciado na internet, é um o contexto comunicacional construído pela interação entre o fiel e o sistema católico online. No fundo, os fiéis encontram nos protocolos da internet características outras, que são ou não encontradas nos santuários do mundo offline. Uma mídia tão simbólica da pós-modernidade como a internet permeia, mas também altera, a vivência e a experiência de uma fé tradicional, pré-moderna. Não acredito que se dê um processo de substituição de um por outro, mas sim uma justaposição das ofertas religiosas offline e online, a partir daquilo que o mundo digital concede a mais ou a menos, ou de forma mais instantânea, acessível ou disponível do que a religião tradicional.

Raízes agrárias
 Nesse sentido, para religiões tradicionais como a Igreja Católica, ainda tão enraizadas em culturas e origens agrárias e pastoris, são necessárias mudanças realmente profundas em seus sistemas simbólicos para que possam ser capazes de responder a todos esses desafios na compreensão de uma nova forma de ver e de viver o "novo mundo" que vai nascendo. Noções como tempo, espaço, comunidade, autoridade, presença, participação etc. - tão centrais ao contexto religioso - vão sendo reconstruídos e readaptados a uma nova configuração social que, por vezes, é combatida pela Igreja e tem sua importância diminuída, como um processo localizado e sem grandes repercussões para as estruturas eclesiais. Porém, esse é um grande engano, já que, a partir das beiradas, uma modificação de fundo vai ocorrendo, para o bem ou para o mal, na configuração das religiões tradicionais.

IHU On-Line - Como vê o incentivo e o estímulo que a Igreja tem dado à relação e ao vínculo do fiel com  Deus por meio do ambiente digital?
 Moisés Sbardelotto - A relação com os meios de comunicação é quase vital à Igreja. Como indicou a Instrução Pastoral Communio et progressio, ainda em 1971, "os modernos meios de comunicação social dão ao homem de hoje novas possibilidades de confronto com a mensagem evangélica". Para o então Papa Paulo VI, a Igreja "viria a sentir-se culpada diante do seu Senhor" se não lançasse mão dos meios de comunicação. Já para o Papa João Paulo II, na encíclica De Redemptoris Missio, os meios de comunicação social seriam "o primeiro areópago dos tempos modernos". E aqui, o papa reconhece um ponto importante, já em uma era digital (1990): "A experiência humana como tal se tornou uma experiência vivida através dos mass media". Portanto, em nível internacional, começando pelo órgão máximo da Igreja, o Vaticano lançou sua página online ainda nos primórdios da internet, em 1995. O sítio continha apenas o texto da mensagem de Natal do então Papa João Paulo II para aquele ano e um e-mail de contato. Hoje, o sítio oficial da Igreja Católica já está disponível em oito idiomas, incluindo o português e até o latim, língua oficial do Vaticano. Em junho de 2011, foi lançada uma nova interface do sítio com poucas alterações na página de entrada, principalmente, um menu em formato de "calendário maia", como li em uma crítica. A grande novidade do novo sítio ainda está em construção, que será um serviço de notícias do Vaticano, o News.va (1). Também houve uma recente ampliação dos serviços prestados pelo sítio, como uma seção de vídeos e a criação de uma "visita virtual" a diversas basílicas vaticanas, além da Capela Sistina e da Necrópole Vaticana. Além do sítio oficial, o Vaticano também criou outros serviços específicos, como a página Pope2You (pope2you.net), lançada em 2009. A intenção de lançar esse sítio foi o de aproximar os jovens à mensagem de Bento XVI, ou a chamada "geração digital", conforme palavras do próprio pontífice. Foi uma aproximação, mas nada além disso. Na página, os usuários têm acesso a aplicativos para Facebook, iPhone e iPad, para o recebimento de conteúdos religiosos, além de links para a Jornada Mundial da Juventude e para a página do Vaticano no YouTube. O fiel continua apassivado para o sistema, e precisa encontrar brechas em outros ambientes online, não oficiais, em que dá vazão à sua construção simbólica do religioso.

Tecnologia à "nossa imagem e semelhança"
Porém, é preciso superar, por parte da Igreja, uma imagem das mídias meramente como meios a seu dispor para a difusão de uma mensagem, como se a "influência" da tecnologia sobre nossas vidas fosse só um problema no "modo de usar". Ao contrário, é necessário compreender que toda a tecnologia - incluindo a comunicacional midiática - não é uma "escrava" a serviço do ser humano, nem mero prolongamento, extensão ou magnificação das capacidades humanas. A tecnologia é nossa "irmã" (como diria São Francisco) e nasce à "nossa imagem e semelhança", da nossa "costela", depende de nós. E, por isso, também nos molda poderosamente através de uma coevolução cada vez mais intensa. Como a Igreja, enquanto instituição hierárquica, em sua organização interna, irá reagir ao longo do tempo a uma cultura do compartilhamento, da instantaneidade, das redes, da fluidez de tempo, espaço e vínculos etc.? Acho que o Wikileaks e as revoluções no Oriente Médio são demonstrações mais do que suficientes de que a cultura contemporânea é, em grande parte, o resultado do encontro entre as possibilidades da técnica diante das impossibilidades e limitações da episteme contemporânea (social, política, econômica, mas também religiosa). A tentativa de conjugar e resolver essa tensão será cada vez mais forte.

IHU On-Line - A virtualização provoca alguma modificação na vivência da fé?
Moisés Sbardelotto - Cremos que apontamos diversos aspectos nas respostas anteriores. Mas a pergunta é válida para debater o conceito de "virtual", tão disseminado no campo de estudos das mídias digitais. Virtual é um termo que vem do latim (virtus), no sentido de força, potência, virtude. Ou ainda, filosoficamente, é aquilo que não tem efeito atual ("concreto"), que existe somente em potência. Mas essa conceituação não nos possibilita compreender a internet e suas processualidades. A internet pode, sim, ser considerada virtual quando o indivíduo está, por exemplo, descansando no campo, longe de um computador conectado. Nesse momento, ela, para ele, é virtual. Porém, assim que ele a acessa e interage com a rede, ele já a atualiza, a presentifica, poderíamos dizer. Passa-se do virtual ao atual. Por isso, mesmo que a informação da internet esteja "virtualmente presente em cada ponto da rede onde seja pedida", como afirma Pierre Lévy, ela se atualiza, fisicamente até, em algum lugar (por exemplo nos mais de 7 mil metros quadrados ocupados pelos quase 2 mil servidores do centro de dados do Google na Califórnia, ou nos mais de 65 mil metros quadrados do centro de dados da Microsoft, em Chicago), em determinado momento, em determinado suporte, deixando assim de ser virtual. A internet em sua virtualidade não é do interesse da comunicação, mas sim a atualização do virtual nas interações e processos comunicativos. Por isso, preferimos usar conceitos como digital ou online (conectado), mas que também não são sinônimos. Digital é a operação computacional que lida com quantidades numéricas ou informações expressas por algarismos (dígitos), com bits, com "cacos" de informação. Mas os fenômenos aos quais nos referimos aqui não são apenas digitais, mas também online, ou seja: o acesso do fiel ao "sagrado digitalizado" se dá por meio da internet, em rede, em qualquer ponto do tempo e do espaço. Em uma analogia teológica, para se fazer presente na internet, o Verbo se torna informação e faz-se bit. Mas Deus, segundo a tradição cristã, se faz "carne", para integrar tudo o que é do ser humano: seus órgãos, seus sentidos, a terra que o envolve. E não apenas o seu DNA. Em bits (o DNA da computação), o Verbo fica impossibilitado de assumir o "homem todo inteiro", segundo Leonardo Boff - assim como o DNA não dá conta de toda a complexidade da "carne". Portanto, na internet - entre fiel, Igreja e Deus - interpõe-se a técnica comunicacional digital, que reduz a bits, a "cacos", a experiência multissensorial do sagrado. E "os bits fazem com que a matéria seja mais maleável do que os átomos", como aponta Kerckhove.

Nota:
 (1) O novo portal do Vaticano, news.va, será apresentado oficialmente nesta segunda-feira, dia 27 de junho, em Roma. (Nota da IHU On-Line).

Fonte: CEBI

sexta-feira, 13 de maio de 2011

O Céu e o Inferno

Naquele tempo, o discípulo perguntou ao seu Mestre:

- Mestre, qual é a diferença entre o céu e o inferno?

E o Mestre lhe respondeu:

- Ela é muito pequena, e, contudo com grandes conseqüências.

Vi um grande monte de arroz, cozido e preparado como alimento, ao redor dele muitos homens, quase a morrer. Não podiam aproximar-se do monte de arroz. Mas possuíam longos palitos de 2 a 3 metros de comprimento. Apanhavam o arroz, mas não conseguiam levá-lo a própria boca, porque, os palitos em suas mãos eram muito longos. Assim, famintos e moribundos, embora juntos, solitários permaneciam, curtindo uma fome eterna, diante de uma fartura inesgotável. - Isso era o Inferno.

Vi outro grande monte de arroz cozido e preparado como alimento. Ao redor dele homens famintos, mas cheios de vitalidade. Não podiam se aproximar do monte de arroz. Possuíam palitos longos de 2 a 3 metros de comprimento. Apanhavam o arroz, mas não conseguiam levá-lo a própria boca, porque os palitos em suas mãos eram muito longos. Mas com seus palitos, em vez de levá-los a própria boca, serviam uns aos outros, e assim matavam sua fome insaciável. Numa grande comunhão fraterna. Juntos e solidários. Gozando a excelência dos homens e das coisas. - Isso era o Céu.

Autor Desconhecido
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A idéia de fraternidade estabelece que o homem, como animal político, fez uma escolha consciente pela vida em sociedade e para tal estabelece com seus semelhantes uma relação de igualdade, visto que em essência não há nada que hierarquicamente os diferencie: são como irmãos (fraternos). Este conceito é a peça-chave para a plena configuração da cidadania entre os homens, pois, por princípio, todos os homens são iguais. De uma certa forma, a fraternidade não é independente da liberdade e da igualdade, pois para que cada uma efetivamente se manifeste é preciso que as demais sejam válidas.

Mas o que se vê é pessoas com o “olho maior que a testa” e com uma “fome maior que a própria digestão”. Tem mão grande levando um lucro que não fez por merecer. Diante dos nossos olhos vem ocorrendo o mesmo que ocorre lá no inferno. Também há um grande "monte de arroz" e seres apenas o vigiando pois não conseguem comê-los e muito menos pensam nos semelhantes.


domingo, 8 de maio de 2011

GOSTAR DO FILHO

Gostar do filho é saber-se ridículo no meio da mais completa grandeza. Ë ser piegas tanto quanto profundo e conviver com o que se soube economizar do emprego com o patrão vida. E descobrir-se mudando a cada dia, um reviver aprendido.

Gostar do filho é perceber-se nada ante seu olhar implacável e sentir-se tudo ante sua dependência. E babar retratinhos, depois de tê-los desdenhado nos outros. É voltar a parques e circos sem precisar de desculpas, e fingindo que reclama do "trabalhão que eles dão". Gostar do filho é reencontrar medos antigos que ficaram sepultados na personalidade adulta. E aprender a calar pois chegará o momento de dizer (nem sempre é na mesma hora). Gostar do filho é sobretudo saber "não saber". Ou testar o que sabe, com modéstia e humildade.

E incorporar o que não sabe sem inveja. É usar o que sabe com prudência. É reformular a cada dia. É confirmar a cada instante. É tanto conhecer o que muda, como o que não muda, e saber distinguir os dois na hora certa.

Gostar do filho é sentir seu crescimento. Acompanhar seios, barbas, hormônios, fala, baba, cheiros, pêlos, palavras, letras, cadernos calças, espasmos, choros, medos, surfe, pelada, boneca, sexo, piriri, espanto, esbarro, radiografia, namorada, astronomia, mesada, mulher, homem, tudo acompanhar no mais altruísta dos egoísmos.

Gostar do filho é permitir-lhe o vôo, no máximo ensinando-o a distinguir ninho de arapuca. É amar a liberdade, mas ter medo da dele, permitindo-a. Gostar do filho é desaprender a dormir para poder dormir em paz. É aprender a renunciar e a agüentar. É redescobrir agasalhos, natais, escadas rolantes, selos, caixas de fósforo, botão, prancha ou vestidinho. É conviver, roçar a pele, ficar todo mole quando ganha um .abraço espontâneo depois de ter rejeitado tantos outros lá fora. E ser cego e clarividente. Profeta e embotado. Sábio e burraldo. Valente e covarde. Bobão e frio. Inseguro e protetor.

Guru e guri. E mudar a cada dia. Fundo, e contemplar os próprios limites com mais tolerância porque alguém salvará a espécie. É virar lobo, tigre, jumento ou colibri, palhaço, mago ou Kung-Fu, Gordo e Magro ou Flash Gordon.

Mas gostar do filho é sobretudo saber esperar. Não ter a pressa de aceitações, entendimentos e devoluções à vista. E saber conquistar pelo menos uma lembrança compreensiva, não importa quando venha, no fim dos tempos ou depois de amanhã.

Saber esperar as quatro estações cuidando as podas, regas, adubos, como quem cumpre um ritual, se possível cantando as canções da colheita, as que trazem a messe e a esperança do fruto. Que virá. Carregado de sementes.

Artur da Távola

sábado, 30 de abril de 2011

A coligação da Porca com a Galinha


Certo dia Dona Galinha procurou Dona Porca e propôs de forma enfática:
- “Vamos fazer uma aliança, uma coligação. Unindo esforços,  ganharemos muito mais!” - Dona Porca concordou. Estava cansada da vida enlameada (mas só com lama do chão, não a que suja outras partes).
- “Eu topo. Qual é o acordo?” - O semblante da Galinha foi tomado por um ar professoral, comum na corte do Rei Fernando II. Ela explicou:
- “Vamos vender omelete na feira. Para fazer, entro com o ovo e você entra com o bacon” (toucinho defumado de porco; no caso, de porca).
Satisfeita Dona Galinha comemorou por antecipação:
- “Vai ser um sucesso. Os concorrentes não terão chances”.
A Porca não conseguia se conter de tanta alegria, enquanto corria ao chiqueiro para contar aos companheiros. De repente, sem qualquer motivo aparente, algo começou a incomodá-la. Já não tão feliz, começou a pensar (coisa em falta na política atual):
- “A galinha entra com o ovo e,  com exceção de um pequeno esforço, nada acontece com ela. Mas eu terei que entrar na faca para participar com o bacon”.
  

Fonte: Andrade, Durval Ângelo. Estória que Ouço, Estórias que Conto – Belo Horizonte: O Lutador, 2000. 104 p.




Esta fábula pode dar margem à interpretação de que reforçamos aspectos negativos da coligação que o povo se propôs ao confiar seu voto à atual administração.

É o povo, quem se submete a dar a própria carne no preparo da omelete do poder.

Quem não gostaria que a história fosse diferente?

Que não fosse o povo a porca da história?

É preciso ter a consciência de se criar uma carta mínima de princípios a serem adotados, no momento do pacto entre o povo e seus candidatos, pois o que vemos é sempre o povo, como porca da história, ceder seu pedaço de carne em benefício da galinha e cada ano que se passa a história não muda e o povo somente sofre com a ineficiência do poder executivo que não consegue atrair para a cidade empresas que supram a falta de emprego. Também não contamos com o básico em infra-estrutura.

Claro que essas alianças não poderão jamais comprometer posicionamentos que têm sido prioridades do partido.

Visivelmente o orgulho e o rancor toma conta de nossos administradores, pois um nunca completa algo que o anterior deixou. E quando o fazem é para desmerecer o que o outro não havia feito. Temos obras intermináveis e outras por se perder à própria sorte.

Amanhã é o Dia do Trabalhador, e eu por onze anos acompanho a trajetória de vida dos moradores do Juquinha Dias, bairro em que esses moradores recebem como pagamento pela carne que cedem a omelete, apenas nesse dia 1º de Maio. É nesse dia que a coleta de lixo é feita; o matagal à beira da BR é roçado, mesmo que mal roçado; Dia também em que o executivo sobe no palanque e estufa o peito para dizer: “Eu tenho feito pelo bairro!”. Até quando vamos ficar trafegando pela poeira em plena zona urbana?

Não sabemos ao certo se estamos numa oligarquia ou monarquia municipal, mas precisamos desapegar dessa mesmice e buscar algo novo – novas idéias – fugir desse atraso. É preciso ter coragem e iniciativa!

Ainda sim, é preciso comemorar esse Dia dos Trabalhadores, mesmo com o suor do corpo e com os calos das mãos, que tanto faz sentido em nossas vidas.

segunda-feira, 18 de abril de 2011

O Galo, o Sol e o Poder

Era uma vez uma história de um galo que acreditava que fazia o sol nascer. Ele acordava bem cedo, subia no telhado e cantava estufando o peito, olhando fixo para o nascente. Daí a pouco, a bola avermelhada começava a aparecer no horizonte. Fazia também todos os animais do terreiro acreditar que isso eraverdade. A bicharada ficava atenta a cada manhã e, só se tranquilizava após o canto do galo. O galo tinha um tratamento especial no quintal, pois era  considerado como um Deus poderoso. Até ameaçava os outros bichos com o fim do mundo, caso ele deixasse de cantar. Certo dia, o galo perdeu a hora e dormiu mais do que a cama, ou melhor, que o poleiro e não cantou para o sol nascer. A grande Surpresa – o Sol nasceu assim mesmo, foi um enorme reboliço, pois os bichos acordaram e gritavam ao mesmo tempo: “O Sol nasceu sem o Galo cantar! o Sol nasceu sem o Galo cantar!” A história daquele terreiro nunca mais foi a mesma.


Fonte: (Estórias que ouço, estórias que conto, Durval Ângelo).
 
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Retrato da política atual em muitas de nossas cidades. Tem gente que ao invés de galo, gostaria de fala r de outros bichos. Pois é. Existem pessoas em nossas comunidades, mesmo sem mandato eletivo, que se acham o galo, que são eles quem fazem o sol nascer todos os dias e que elas mesmas é que cantam essas melodias todos os dias náqueles terreiros.

O autoritarismo enraizado na cultura brasileira, semente plantada na alma de uma sociedade baseada no patriarcalismo, na divisão de classes e na dominação das relações sociais. Tem raízes profundas no processo de exclusão que produziu e continua produzindo misérias e pobrezas, descuido e mortes para a maioria da população.

Tem gente cantando de galo, acorrentando os portões e bloqueando a energia elétrica da iluminação do campo de futebol do Alfredão. Isso, só porque alguns líderes comunitários se reuniram e organizaram um torneio envolvendo os moradores dos bairros da cidade. Atividades que contribui para a diversão de crianças, jovens e adultos, desviando-os do vício das drogas, bebidas e outros males.

Também há galos que não querem cantar pra ninguém, em se tratando de solucionar os buracos das ruas, avenidas e estradas. Querem deixar o terreiro sujo e esburacado. Tão deixando o matagal tomar conta do Parque dos Namorados e a ponte que dá acesso à ilha do parque já foi sucateada.

Só que o terreiro vem agindo e se conscientizando de que o sol nasce para todos, independente do canto dos galos. Essa geração vem mudando os rumos da história e a Era da Informação tem contribuído demais. Nas comunidades vem surgindo protagonistas que vão mudar de vez o cenário dessa fazenda chamada Brasil.

Muitos movimentos têm surgido e vários cursos de formação têm acontecido. Hoje o povo já sabe qual é o seu espaço.

Em outros terreiros, estamos vendo surgir líderes, coordenadores e entusiastas que não querem cantar de galo. São trabalhadores urbanos e rurais, do cabo da enxada e da foice cortante, professores, donas de casas, pequenos proprietários. Será uma nova fazenda - Um novo terreiro - Novas relações de companheirismo e fraternidade entre a bicharada.

Ainda há muito que caminharmos na busca de um poder-fraterno, de um poder-serviço, mas essas pessoas firmes são sinais de que estamos no caminho certo, desenterrando a tal cabeça de jegue que tanto dizem existir nesse Brejo.

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Fábula da Convivência


Há milhões de anos, durante uma era glacial, quando parte de nosso planeta esteve coberto por grandes camadas de gelo, muitos animais, não resistiram ao frio intenso e morreram, indefesos, por não se adaptarem às condições.

Foi, então, que uma grande quantidade de porcos-espinho, numa tentativa de se proteger e sobreviver, começaram a se unir, juntar-se mais e mais.

Assim, cada um podia sentir o calor do corpo do outro. E todos juntos, bem unidos, agasalhavam uns aos outros, aqueciam-se mutuamente, enfrentando por mais tempo aquele frio rigoroso.

Porém, vida ingrata, os espinhos de cada um começaram a ferir os companheiros mais próximos, justamente aqueles que lhes forneciam mais calor, aquele calor vital, questão de vida ou morte. E afastaram-se, feridos, magoados, sofridos. Dispersaram-se, por não suportarem mais tempo os espinhos dos seus semelhantes. 
Doíam muito...

Mas essa não foi a melhor solução! Afastados, separados, logo começaram a morrer de frio, congelados. Os que não morreram voltaram a se aproximar pouco a pouco, com jeito, com cuidado, de tal forma que, unidos, cada qual conservava uma certa distância do outro, mínima, mas o suficiente para conviver sem magoar, sem causar danos e dores uns nos outros.

Assim, suportaram-se, resistindo à longa era glacial. Sobreviveram.

É fácil trocar palavras, difícil é interpretar o silêncio!
É fácil caminhar lado a lado, difícil é saber como se encontrar!
É fácil beijar o rosto, difícil é chegar ao coração!
É fácil apertar as mãos, difícil é reter o calor!
É fácil conviver com pessoas, difícil é formar uma equipe!

(Autor desconhecido)

Essa fábula nos faz lembrar de um povo e sua vivência em um tempo e espaço não muito distante de nós. Aqui jazz suíngue por toda parte.

quarta-feira, 6 de abril de 2011

A POLÍTICA E A CAÇADA DE PACA


Era uma vez uma caçada de pacas. Às vésperas da caçada, os cachorros eram muito bem tratados, porque os caçadores sabiam que aqueles animais, bem treinados e bem cuidados, eram a garantia de um bom resultado.


Pelo caminho, iam fazendo carinho nos cachorros, chamando-os pelo nome; enfim,  os animais eram a grande autoridade no momento em que iam para a caçada.  Eram eles, realmente, quem faziam tudo: farejavam a paca, corriam atrás do seu rastro sem se importar com os machucados e cortes em seu corpo provocados pelo capim navalha. Encantoavam a paca. Às vezes a matavam; outras vezes, era o próprio caçador. Era uma alegria só.


Volta da caçada, com duas, três ou quatro pacas nas costas – à época não tinha o IBAMA, e nem consciência ecológica. Os cachorros brincavam como crianças, pulando um do lado do outro ou sobre os capinzais. Ficavam contentes com o resultado. Só que, quando se enroscavam nas pernas dos caçadores, nada mais era como antes. Tomavam empurrões e chutes. Mas, mesmo assim,  iam embora satisfeitos.


Os caçadores, já em casa,  limpavam as pacas no tanque e jogavam os pés e as cabeças para os cachorros. Começava, então, a  briga da cachorrada. Era uma luta terrível.


Enquanto os cachorros se mordiam no terreiro, os caçadores temperavam a carne e a punham no fogo. Bebendo uma cachacinha, comendo um tira-gosto e esperando a carne assar, pouco se importavam com o que estava se passando com os animais.

Quando o cheiro de assado começava a sair pela casa toda, aguçava o faro especial dos bichos e os cachorros deixavam de lado os pés e a cabeça da paca, na esperança de que iriam ganhar alguma coisa. Eles ficavam a espera de um agrado.

Pronta a carne, cada caçador comia sua parte e jogava os ossos pela janela. E, de novo, a loucura: cachorros brigando e se machucando pelos restos da paca. E isso ia até o amanhecer, ou, quem sabe, até a próxima caçada.


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O que acontece no período que antecede as eleições, é justamente a repetição dessa história: o eleitor e tratado como cão farejador, bom para a caçada de paca. Tem tudo o que quer dos candidatos. Só falta ganhar lote no paraíso, de tanto agrado e bajulação. Depois das eleições, as coisas mudam: apenas um grupo de caçadores vai usufruir dos benefícios do poder. Os eleitores que foram tão bem tratados e cuidados com zelo durante o período eleitoral, acabam fiando com as sobras que ninguém quer. Na, verdade, não recebem apenas migalhas, tais como: cesta básica, telhas, tijolos, sacos de cimento, ¹ “dentadura, sapato usado” e até um copo de cachaça no bar da esquina?

O gozo do poder acaba sempre ficando com uma minoria das elites políticas. Sempre o tratam como um espaço privado. Não raro, usam até da violência para se perpetuarem no poder. O eleitor só tem valor no curto período que antecede as eleições.

Quem sabe essa história possa ser diferente no dia em que os cachorros decidirem se organizar. Formarão, talvez, o SINCAPA: Sindicato dos Cães Caçadores de Paca. Quando eles se organizarem, quando não mais permitirem ser manipulados, quando o SINCAPA funcionar efetivamente, essa história poderá mudar. O sindicato tem que ser fruto de um processo de consciência de que o mundo só será melhor “quando o menor que padece acreditar no menor”.

Essa estória, ouvida de um trabalhador rural que queria retratar a política em sua cidade, o processo eleitoral e as formas ideológicas de dominação, pode ser contada de forma diferente em vários locais onde os “Sincapas” do povo demonstram sua força.

O momento atual, com o dispositivo da reeleição, é o período em que  mais acontecem obras nas comunidades. Os médicos passam a atender nos postos da zona rural. Melhoram os investimentos em transportes, educação e área social. Daí, os riscos de se perpetuarem as “caçadas de paca”.

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1- Por Alex Sander (Sou Lelé, mas não sou Louco)

 

FONTE:
  • Andrade, Durval Ângelo. Estórias que Ouço, estórias que conto. – Belo Horizonte: Editora O Lutador, 2000. 104 p.

quinta-feira, 17 de março de 2011

Rebeldia jovem para desacomodar o mundo

     A rebeldia nos jovens não é um crime. Pelo contrário: é o fogo da alma que se recusa a conformar-se, que está insatisfeito com o status quo, que proclama querer mudar o mundo e está frustrado por não saber como.

     Controlar ou emancipar a juventude: eis o dilema de nossos tempos. O inconformismo, que caracteriza os jovens, é a força renovadora que move o mundo, mas também algo que incomoda os já acomodados. Acomodados, despreparados ou desconhecendo a realidade do universo juvenil, muitos de nós desqualificamos a juventude, vendo-a como um incômodo ou como uma fase de passageira rebeldia. Ao invés de emancipar, desejamos controlar, dominar, moralizar.

 
Provocando mudanças
     Bravamente, ao longo dos tempos, os jovens resistiram e mantêm acesa a ideia de mudar o mundo. Desejam, profundamente, que ideais e mundo sejam uma nota só. Seus sonhos são suas ideias em teimosia. Os jovens têm consciência de que precisam controlar o seu “fogo ardente”. Mas desejariam que este controle fosse deles, não daqueles que representam qualquer autoridade (pais, professores, psicólogos, legisladores, juízes, polícia). Rejeitam serem pensados pelos outros.

     A rebeldia é o sinal de que a juventude continua sadia, cumprindo com o seu papel de provocadora de mudanças. A rebeldia, aos olhos da Filosofia, é atitude de quem quer ser sujeito de sua história, não seu coadjuvante. Sim, porque a Filosofia, como o inconformismo, motiva a cada um de nós na busca de seus próprios caminhos.

     É preciso compreender a juventude como uma categoria social, que varia no tempo, de sociedade para sociedade e segundo as diferenças internas das sociedades. “Por isso, a definição do que é juventude tem que se fazer na contextualização histórica dos jovens que se quer compreender. Outra ideia fundamental é a de que a juventude é vivida de modo distinto segundo as condições econômicas, culturais, de raça, gênero etc.”, como aponta a coleção Ofício de Professor: aprender mais para ensinar melhor. Neste aspecto, é preciso aumentar a disposição para o diálogo e a escuta com os jovens de nosso tempo, procurando compreender os desejos, sonhos, medos e angústias que os movem. A busca pelo conceito de juventude deve ser superior aos nossos preconceitos.



Pensamento próprio
     O filósofo Sócrates, na Grécia Antiga, acreditando na emancipação humana, desenvolveu o método da maiêutica. Concebeu o papel dos sábios a um trabalho de parteira (que ajudam a dar à luz). Ele acreditava que a verdade e o conhecimento estão com cada um e cada uma de nós, e cada indivíduo pode descobrir as razões e verdades que motivam seu viver. Não por acaso, foi considerado um incômodo para Atenas. Uma das razões de sua condenação à morte foi insuflar a juventude a pensar por sua conta.

     Muitas iniciativas da sociedade, de ONGs, entidades e igrejas surgiram porque compreenderam que o jovem quer, precisa e pede o nosso apoio. E têm se dedicado ao trabalho com a juventude, empregando o protagonismo juvenil, a arte e a espiritualidade como formas de potencializar as energias da juventude. Seus êxitos comprovam que com oportunidades a juventude toma os melhores caminhos. Aliás, os jovens nunca dispensaram atitudes de apoio, escuta, compreensão e orientação. E gostam de ser desafiados pelos adultos.

     A rebeldia tem causas que a justificam como atitude altiva e saudável. Jovens e adultos, no entanto, precisamos descobrir quais são as causas pelas quais vale uma vida. A violência e a agressão, em forma de rebeldia, não podem ser toleradas. Por sua vez, rebeldia saudável e protagonismo são ingredientes indispensáveis para fomentar as renovações de que a sociedade precisa. Mas a opção é da sociedade: apostar e empenhar-se na emancipação e inclusão da juventude ou considerá-la como constante ameaça contra a ordem social. Cada opção tem seu preço.

 
Ilustre rebeldia
Composição: Luciana Costa

Vou, vou te contar o meu segredo
Não, não pense que sou um brinquedo
Sou filha de uma mocidade
Não faço nada contra minha vontade
Já passei, passei daquela idade
Dispenso hipocrisias, não aceito caridade
O que eu quero é a minha liberdade
Não faço nada contra minha vontade
Não, não preciso andar na moda
Não sou boneca para ser manipulada
O meu canto tem a mais pura verdade
Não faço nada contra minha vontade.

Para assistir ao clipe desta música, acesse www.youtube.com/watch?v=dtJVnt_AnOY

Nei Alberto Pies,
professor e militante de direitos humanos, Passo Fundo, RS.
Endereço eletrônico: pies.neialberto@gmail.com
Artigo publicado na edição nº 405, jornal Mundo Jovem, abril de 2010, página 11.

DISPONÍVEL EM: http://www.jornalmundojovem.com.br/artigo-rebeldia-jovem-para-desacomodar-o-mundo.php